sábado, 3 de agosto de 2013

Sem ideias

Abriu os olhos e uma imensidão clara tomou conta de sua retina de tal maneira que não enxergava absolutamente nada, uma cegueira branca, mas não do tipo descrito pelo lusitano de Azinhaga. Essa era daquelas que passam em questão de segundos, na pior das hipóteses, um ou dois minutos. É apenas o tempo da pupila encontrar a abertura que melhor se adapta à claridade externa. 

Passada a fase de cegueira, agora conseguia ver. Estava deitado, mas não de um jeito que se supõe que deitou por vontade própria, parecia que tinha sido jogado e seu corpo parou naquela posição, mais desconforme que estaria o Quasímodo depois de um porre. Endireitou seu corpo levantando-se. Agora estava em pé, porém olhou para frente e via o branco. Constatou a mesma cor ao olhar para todas as direções que apontaria a rosa-dos-ventos, mesmo sem saber onde é leste, oeste, norte ou sul. Olhou para o chão e viu o branco também. Não se trata de estar dentro de uma cegueira branca, pois não estava, conseguia ver, mas via o branco. Apenas o branco. Resolveu sentir. Colocando a mão esquerda no chão percebeu uma textura que parecia areia. "Areia?", pensou, "Nunca vi areia branca!", franziu a testa, coçou a cabeça com os dedos, a exceção do polegar, da mão direita. Ergueu-se novamente. 

Como se não bastasse não saber onde estava, de que modo foi parar ali e nem lembrança alguma de passado recente, ainda sentiu algo muito estranho. Uma vontade absurda de se mexer, de fazer algo. Porém não conseguia, ficava assim, em pé, parado e olhando para a imensidão branca. 

Percebeu uma movimentação a sua esquerda, virou-se, era uma manifestação. Estavam distante, mas dava para perceber cartazes e bastantes camisetas vermelhas. Nos cartazes, conseguia apenas ver um número que se repetia, o vinte. Sentiu a vontade de ir até o aglomerado e resolveu começar a pequena caminhada. Ao término de doze passos, os manifestantes, juntamente com seus cartazes, sumiram. 

Ouviu um barulho que remetia a torcida em um estádio de futebol e virou-se. Viu bávaros e lombardienses derrotarem os outrora soberanos e, um pouco mais a sua esquerda, viu catalães massacrarem alvi-negros praianos. "É isso, vou para lá", pensou. E começou a caminhada com um medo de acontecer o mesmo que aconteceu aos manifestantes e, caso repetisse o sumiço, veria-se só novamente. Mas desta vez caminhou, caminhou e caminhou. Chegou bem próximo, e quando já até conseguia sentir o cheiro da grama, tudo sumiu como num passe de mágica. 

Uma certa frustração tomou-lhe a cabeça, não podia deixar-se a mercê do nada. "Tenho de vencer esse branco". Esperou que algo mais surgisse. Aguçou visão, olfato e audição. Não movia um músculo sequer. De tamanha concentração e impavidez, chegou a ouvir sua barba saindo de sua pele alguns nanômetros. Voltou a atenção à brancura em sua volta. Pressentiu um movimento a sua direita e, numa fração de segundo, virou sua cabeça e pode ver o fim da queda de uma morena e a maneira com que ela estatelou-se no chão. "É agora", correu como um louco na direção da moça. Mesmo com o balançar do seu corpo em movimento, viu que ela começou a olhar para si própria a procura de alguma ferida provocada pela queda e, não encontrando nada de anormal, ela começou a se levantar. Não olhava para ele, mesmo sendo os dois as duas únicas figuras que não se confundiam com o branco do ambiente, muito embora sendo ambos tão morenos quando a parte externa do círculo da bandeira do país do sol nascente. Ela batia suas palmas em seu corpo como alguém que, tendo levantado da terra ou qualquer superfície suja, tenta tirar a poeira sobressalente em suas coxas e barriga. 

Estava chegando perto, mas, uma vez mais, a nova aparição sumiu. Incrédulo e já nervoso, parou de correr, controlou a respiração e sentou-se. Nada a sua frente, nada as suas costas. Nada a sua esquerda e nada a sua direita. Franziu a testa, mas não por estranheza ou por que não tivesse entendido algo, e sim por ter tido uma ideia. Praticamente ao mesmo tempo que essa ideia surgiu-lhe a fronte, viu, a sua frente e bem próximo de si, um corpo em queda que, em um piscar de olhos atingiu o chão, assim como havia acontecido anteriormente com a morena. Deu cinco passos e chegou junto da pessoa caída. O corpo continuava lá deitado, parecendo estar em sono profundo. Os membros desajeitados semelhante, hipoteticamente pensando, ao grandalhão de Notre Dame depois de sete garrafas de vinho. Ao olhar para o rosto, viu-se a si mesmo. Entendeu direitinho o que estava acontecendo depois que sua imagem no chão começou a abrir os olhos franzindo o cenho por causa da claridade exposta em sua retina. 


  

2 comentários:

  1. U-a-u! De todos os textos do seu blog, esse é de longe o mais incrível e o meu favorito. Quem dera meus torpores mentais fossem criativos como os seus. Minha cabeça trabalha a mil tentando continuar o texto...

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    1. Eu sei que já lhe agradeci pelo facebook, e, diga-se de passagem, fiz isso por lá por ter tido contratempos com a visualização dos comentários, mas, como já resolvi esse problema, obrigado novamente.

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