sexta-feira, 16 de agosto de 2013

A decepção de Kauket

Um dos guardas abriu a gigantesca porta do salão principal e os quatro adentraram o recinto, três guardas e o ladrão. Esse último não praticava o contínuo desequilíbrio corporal, ato que, apesar de demonstrar que nós, humanos, possuímos aceitável coordenação motora, é algo, em grande parte do tempo, do departamento de habilidades inconscientes do nosso cérebro. Era, isso sim, arrastado por dois guardas que iam logo atrás do primeiro, o que abriu a porta, e os quatro aproximavam cada vez mais do faraó, três andando e um sem esforço algum do corpo, contando apenas com a força dos dois guardas que seguravam-no pelos braços, cada um de um lado. Ao chegarem de fronte ao semideus pararam e o que veio a frente da tropa proferiu:

_Este que trazemos é uma ameaça à sociedade e aos bons costumes, posto que foi flagrado em ato impróprio ao tentar pegar mantimentos que não o pertenciam. Roubo, meu senhor, roubo!

O faraó imediatamente condenou o ladrão, que a esta altura encontrava-se em pé sem ajuda dos dois guardas, ao calabouço pelo resto dos dias que Kauket lhe atribuísse. Porém, o acusado suplicou, ao mesmo tempo em que curvava seu tronco formando um ângulo reto com suas pernas:

_Meu senhor, suplico que me dê uma chance mais para me refazer do erro que eu admito ter cometido, e o cometi não por amor à desordem ou por intenção ao prejuízo do meu próximo, mas sim por necessidade, visto que os tempos são ruins para mim. Entregar-me-ei inteiramente a Kek ou Kauket caso não reponha o ônus por mim praticado.

O faraó, coçando sua fina mas longa barba, demonstrou estar pensativo ou por raciocínios próprios ou por comunicação com Hehet e Amon. Ao cabo do tempo suficiente para o condenado tornar seu corpo ereto como os dos guardas, o faraó proferiu:

_Muito bem. À sua direita tens duas portas, cada uma com seu respectivo guarda. Uma das portas leva direto ao calabouço e a outra a saída. Um dos guardas só se comunica através da mentira e o outro tem como uso das palavras apenas o filtro da verdade. Sem saber atrás de qual porta é a saída e também sem saber qual dos guardas mente e qual diz a verdade, você tem de elaborar uma, e apenas uma, pergunta que te tirará dessa punição e dirigi-la a um dos guardas. Diga-me qual pergunta deve ser feita e, caso sua questão leve indubitavelmente a descobrir qual porta é da saída, então eu te dou a liberdade. Adivirto-te que, caso erre ou caso sua questão não leve, com resposta segura, a classificar a porta que é a da saída, então você vai direto ao calabouço. 

Tinha uma segunda chance e contentou-se com isso, pois sabia que era fato raro. Então tratou de pensar na questão que ou salvaria sua vida ou conduziria sua alma ao sabor de Hehet.

Depois de o faraó ter sentado e quase interrompido o silêncio, o larápio abriu um sorriso e disse:

_Grandioso senhor que a tudo protege, minha questão cabe a qualquer um dos guardas, obviamente, já que não sei quem mente nem quem fala a verdade, então basta que me aproxime aleatoriamente de qualquer um dos dois e pergunte: "Se você fosse o outro guarda, qual porta me indicaria ser o calabouço?". E a porta que ele me indicar será, sem dúvida, a saída. 

_Como tens tanta certeza? -retrucou o faraó.

_Se for o honesto o guarda escolhido, ele tem de se supor na pele do outro, o mentiroso, que me indicaria a saída como resposta e, como ele, o escolhido, apenas diz a verdade, reproduziria a resposta que o mentiroso dissesse, me mostrando, portanto, a saída.

_Mas e se, por ventura da vida ou vontade de Kauket, você escolher o guarda que apenas mente?

_Ele me dará a mesma resposta.

_Explica-te!

_Se eu escolher o mentiroso, como minha pergunta condiciona, ele tem de se por na pele do outro guarda, o honesto. O honesto mostraria a porta do calabouço como sendo a resposta, mas não devemos esquecer que, antes de proferir a resposta, o guarda que a fará será, neste caso, o mentiroso, então, mesmo que a resposta do verdadeiro fosse a porta do calabouço, ele, o mentiroso, me indicará a porta da saída. Logo, meu senhor, não importa para quem eu faça a pergunta, a resposta dita será a porta da saída. 






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