terça-feira, 2 de julho de 2013

O mal de Cobain

Durante nossa vida nos deparamos com pessoas que mentem, que dizem a verdade, que aumentam os acontecimentos de algo ocorrido ou que, simplesmente, alteram ou distorcem o que aconteceu realmente. Mas, embora possamos, em certos casos, classificar rapidamente uma narrativa como verídica ou não, há algo mais profundo na mente humana que explica esses tipos de ocorrências.

Quando criança e até parte da fase adolescente, sempre que me deparava com uma pessoa contando uma história, eu acreditava na veracidade de cada palavra. Infelizmente, a experiência de vida me fez tomar cuidado nessas situações. Digo "infelizmente" pois em meu mundo idealizado deveríamos acreditar sim em cada palavra do próximo. Não estou dizendo que o problema está no ouvinte somente, mas também no narrador. Caso o narrador soubesse que tem a responsabilidade de contar fidedignamente sua história independentemente do julgamento alheio, então estaríamos mais apto a acreditar com maior frequência nas pessoas e, a partir desse ponto, o seguinte pensamento de Freud não faria sentido: "quando Paulo vem me contar algo sobre Pedro, fico sabendo mais sobre Paulo do que sobre Pedro".

À medida em que fui crescendo, percebi que eu mesmo distorcia histórias com o intuito de deixá-las cômicas para fazer rir o interlocutor. Fico feliz quando faço alguém rir, mesmo que seja às minhas custas. Assim, depois de juntar os dois assuntos, isto é, a crença numa história contada com exatidão e meus distorcimentos acerca do que realmente ocorreu, percebi uma explicação para o ato de contar uma história sem o rigor necessário para não cometer equívocos nem pequenas mentiras.

Outras ocasiões de distorcimento da realidade que eu fazia eram quando eu queria que, ao contar uma história, o interlocutor concordasse com minha decisão ou opinião. Percebi que isso acontece aos montes por aí. Uma pessoa que tomou uma decisão importante, ou radical, ou impopular etc., tenta justificar sua decisão contando uma estória, ao invés da história, tentando induzir o ouvinte a chegar na mesma decisão que o narrador tomou ou, pelo menos, fazendo aquele concordar com a decisão tomada por este. 

Isso é o que eu chamei de mal de Cobain, em homenagem justamente ao ex-vocalista do Nirvana. Estou lendo sua biografia, Mais pesado que o céu, do autor Charles R. Cross. Descobri, através desse livro, que Kurt Cobain contava os acontecimentos de sua vida com muito exagero, demonstrando uma vontade de justificar (talvez para si mesmo) seus atos e decisões passados. Achei interessante uma classificação feita pelo autor acerca dessas duas maneiras de contar o passado, ou seja, tentando ser fidedigno ou distorcendo os fatos. Ele classifica essas duas formas como sendo verdade objetiva e verdade emotiva. Obviamente a verdade objetiva é o ato de contar uma história com a preocupação de descrever a realidade, sem medo de julgamentos alheios. Já a verdade emotiva é o ato de contar uma história de modo a justificar os sentimentos produzidos nela. 

Um exemplo pessoal: quando estava fazendo o mestrado, fui mal em Álgebra e fiquei de exame. Ao contar aos meus familiares e amigos, eu embutia na história meu descontentamento com o mestrado, minha não-concordância com o currículo do curso e os problemas de didática dos meus professores. Anos depois eu percebi que eu contava a história baseado na verdade emotiva e não na objetiva. Havia, dentro de mim, uma vergonha por ter ido mal na matéria citada e a consequente vontade de justificar esse mal desempenho. 

Não acredito que seja o fim do mundo passar por uma fase de verdades emotivas, desde que seja só uma fase. Um adolescente usa, geralmente, a tática de verdades emotivas para contar suas histórias (que, depois de contadas, viram estórias). Talvez isso seja um sinal de como há pressão nas crianças. Talvez devêssemos mudar essa maneira de criá-las, baseada majoritariamente na política do medo  e da punição. E talvez devêssemos romper com a preocupação dos julgamentos alheios, ou pelo menos diminuí-la. São suposições apenas, mas temos de ter a consciência de que há fases no nosso desenvolvimento intelecto-moral e, em nossa sociedade, ainda passamos pela fase da verdade emotiva. 





Nenhum comentário:

Postar um comentário