sábado, 30 de março de 2013

O cão da patriarca

Ele fica lá, ao final da primeira rampa da passarela que dá acesso ao metrô, parado. Não só parado, mas também em alerta. Acredito que o leitor já viu um cão em estado de alerta, ou prestando atenção em algo que está prestes a acontecer. Este cão faz isso sentado, com a cabeça virada para o oeste e as orelhas posicionadas daquele modo interrogativo, parecidas com as sobrancelhas franzidas de uma pessoa que está tentando entender algo. Penso no motivo dele ficar olhando para o oeste, na direção dos trilhos que, diga-se de passagem, de onde esse cão está não dá para vê-los. 

Ele está ali, na posição descrita, esperando algo que, por enquanto eu não sei o que é, acontecer. Eis que o trem do leste vem, fazendo o que pra mim é o mesmo som do trem do oeste, tendo apenas como diferenciação entre ambos a posição da fonte. E não é que esse cão, talvez todos, reconhece este efeito e fica impávido frente ao som produzido pelo trem que está chegando? 

Isso me faz pensar que o cão entende as propagações ondulatórias do som, talvez não as tenha em mente com todas as suas causas e consequências descritas pela Física, como nós temos. Reviro-me em desassossego naquela dúvida sobre a possível existência de uma diferença clara entre os seres humanos e outros animais.

De repente suas orelhas mexem-se discretamente e ele levanta o tronco, ficando em pé. O trem do oeste vem chegando. E quando passa por onde o cachorro está, parando aos poucos em seu lugar na estação, ele, o cão, começa a correr em disparada. Sempre olhando na direção dos trilhos, mesmo que não os veja, chegando ao final da rampa, perto das catracas. Então ele para. Não entra na estação. Depois que o trem está parado, ele não é mais o foco da atenção desse cão. Perdeu a graça.

Assim, ele, mesmo ouvindo o trem perseguido por si, sair para continuar sua jornada para o leste, não continua a perseguição, o som já não o atrai. Então ele volta lentamente, subindo a rampa para tomar sua posição original. Chegando lá, ele senta. Olha para os lados, levanta as orelhas de forma interrogativa e vira seu focinho para o oeste esperando o próximo trem que vem de lá. 

Penso em escrever um texto sobre essa cena fazendo uma analogia com a vida humana, tentando passar a ideia de que prestamos pouca atenção às coisas simples dela, coisas que poderiam nos deixar felizes em doses homeopáticas. Penso também em escrever sobre o fato desnecessário de uma explosão de felicidade momentânea para, em seguida, voltarmos à rotina medíocre à qual não fazemos força para mudar. 

Essa pequena cena tem implicações sérias à nossa vida, caso seja observada com olhos atentos. Desisto de escrever isso por medo de parecer um interferencionista (procurei e não achei essa palavra, mas uso-a mesmo assim, vou me permitir) à vida alheia. Deixo esse papel para a metalinguagem. 

2 comentários:

  1. Cachorros são tão lindos de se observar!

    Tem muita gente que simplesmente não faz a menor ideia do quanto é feliz. É como aquela velha metáfora do pontinho preto numa grande folha branca; centramo-nos num único problema e esquecemos do todo. Tem tanta coisa bonita nesse mundo. Até o modo como isso soa desesperadoramente clichê é bonito!

    Não sei se entendi muito bem o penúltimo parágrafo. Pequenas doses de felicidade corriqueira também se encaixam em "explosões de felicidade momentânea"? Nesse caso, será que uma vida plena de felicidade tranquila existe? É uma dúvida que, sinceramente, tem me incomodado muito...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Gosto da alegria dos cães e como eles a compartilham conosco, mas pondero esse estilo com o carinho aleatório e mais independente do gato, por exemplo. Há muito que se aprender com os animais (incluindo os humanos). Juro que não conheço essa metáfora do pontinho preto na folha branca, mas acho que a entendi.

      Quando eu escrevi o penúltimo parágrafo, minha ideia era contrastar "doses homeopáticas de felicidades" com "explosões de felicidades momentâneas". Eu quis dizer que essas explosões momentâneas são maléficas pois nos fazem aceitar uma vida cotidiana cuja qual não gostamos.

      Foi uma generalização, claro está. Pois, mesmo que uma pessoa tenha uma vida equilibrada, ela pode, por vezes, experimentar esses picos de felicidades momentâneos. Só que nesse caso eles, os picos, não serviriam de ópio para uma vida triste, ou seja, não seriam nada maléficos.

      Eu não sei se entendi o que você quis dizer com "felicidade tranquila", mas uma vida repleta de felicidade é improvável pois qualquer pessoa terá, por exemplo, que passar por perdas de entes queridos, isso faz parte da vida também e nesses momentos não daria para se ter felicidade. Então eu acho que a resposta a sua última pergunta seria não por causa da palavra "plena". Agora, que daria para se ter uma vida mais equilibrada, prestando atenção nas coisas pequenas e belas da vida, isso dá sim.

      Já assistiu ao filme "O fabuloso destino de Amélie Poulain?

      Excluir