quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

O José.

Quando queremos nos referir a uma pessoa qualquer podemos dizer 'um José' (exceto dentro da Matemática, onde uma pessoa qualquer tornar-se-ia X). Isso aparece, por exemplo, no poema do Drummond "e agora, José?" ou na música "todo carnaval tem seu fim", da banda Los Hermanos ("Todo dia um ninguém José acorda já deitado...). Não sei se perceberam, mas o artigo usado no título é definido. Assim eu quis passar a ideia de que esse José não é um José qualquer. 

Este José é um dos meus heróis. Chamava José Saramago. O primeiro livro que li dele foi em dois mil e cinco ou seis, "ensaio sobre a cegueira". O primeiro contato com seu modo de escrever, confesso, foi parecido com o primeiro contato de Caetano Veloso com São Paulo ("é que quando eu cheguei por aqui, eu nada entendi") e, realmente, "foste um difícil começo". Acostumando-me com a escrita lusitana e suas analogias e comparações por mim desconhecidas e com o fato chocante de não se fazer uso de algumas pontuações que eu considerava necessárias, talvez pela falta de leitura na minha adolescência, eu comecei a gostar muito desse senhor. Principalmente de seu jeito de transformar algo aparentemente insosso da narrativa em duas ou três páginas de aprofundamento filosófico.

E, dois dias atrás, eu tive mais uma evidência do quanto eu gosto de ler seus livros quando, ao terminar um outro, eu fiquei muito feliz, pois o próximo seria "a viagem do elefante". Quando peguei este livro na mão, um sorriso se abriu. E não foi um sorriso discreto, não. Foi daqueles de enrugar os cantos dos olhos. Abri o livro e o cheirei, como sempre faço, mas dessa vez eu curti mais o momento. 

Li em um outro livro que o fato de termos heróis pode ajudar a desenvolvermos algumas habilidades. O assunto era outro, esportes. O autor defendia que, vulgarizando seu raciocínio, um garoto que apenas cobra faltas ao gol não desenvolverá mais do que um outro que encarna algum herói. Se antes de bater a falta, ele se sentir o Ronaldinho Gaúcho, o Messi, o Cristiano Ronaldo, o Zico, o Neto ou qualquer que seja seu herói, ela aprimorará mais sua qualidade nesse quesito prestando mais atenção aos detalhes. Pois bem, antes do Saramago, eu não sabia explicar algo com clareza ou escrever de uma maneira minimamente aceitável para um universitário. Depois que criei esse herói, comecei a devorar tudo que o cercava e comecei a melhorar muito minha ainda porca maneira de escrever e a maneira como explico meu ponto de vista a outrem. 

E com essa alegria toda volto a ler José, o José. Confesso que um friozinho me inquieta o estômago por saber que este José já é finado e, assim, uma certeza me martela o cérebro. A certeza de que sua obra é finita. Sei que o número de livros escritos por qualquer pessoa é finito, mas enquanto se tem o escritor como vivo, sempre tem-se a esperança de mais um. O que não ocorre aqui. O que me consola é que ainda tenho vários livros seus para ler. 

Curiosidade (minha): José, o Saramago, foi mecânico, serralheiro, desenhista técnico, funcionário público e jornalista. Virou escritor aos cinquenta e cinco anos. Então pessoas lindas que estão lendo isso agora, chega dessa ideia de que temos que viver hoje como se não houvesse amanhã, que o novo já nasce velho etc. Você pode viver um dia de cada vez e ainda assim fazer muito durante a vida. Você para, quando aceita que tem que parar. Também não fique estagnado, esperando que a vida traga-lhe tudo que gostaria de ter. Usando uma frase do próprio Saramago, "não tenhamos pressa, mas não percamos tempo".  

Para os que gostam ou para os que ficaram curiosos acerca desse José, vou deixar três vídeos abaixo sobre ele. 

Vídeo um: a maior flor do mundo. Saramago conta um conto para crianças e concomitantemente com o conto, ele vai raciocinando sobre o que é um conto para crianças.



Vídeo dois: Roda viva mais Saramago só pode dar algo bom. Aos oito minutos, ele explica seu conflito, "se é que existe", com deus (sensacional).






Vídeo três: um (exemplo de) debate entre Saramago, ao lançar seu livro Caim, e Carreira das Neves, um padre franciscano e teólogo.







2 comentários:

  1. O espaço intitulado "Porema" tem se constituído, para mim, num local para descobrir ou evidenciar minhas deficiências!
    Ainda não li Saramago. Tenho, aqui comigo, aguardando em uma fila cuja a ausência do Metrô faz andar muito devagar o "As Intermitências da Morte". Assistirei aos vídeos com cuidado e, sobretudo, interpretarei este como um sinal para retomar minha fila, ansioso pelo início da aventura no universo deste autor!

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    1. Realmente o tempo no metrô me ajuda muito nessa tarefa.

      Sobre o Saramago, acho que as pessoas deveriam ler pelo menos um livro dele, para ter contato com esse jeito inusitado de escrever e de raciocinar.

      Acho que você vai gostar, senhor Moreira.

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