sábado, 20 de dezembro de 2014

Ilusão.

Sentei em uma mesa da coluna central, na penúltima fileira, próximo aos toaletes. Banheiros, como aprendi na infância, mas que costumamos disfarçar, neste caso, através de um eufemismo. Pendurada ao teto, uma televisão ligada no canal óbvio, ilustrativo da situação niilista do momento. Barulho de conversas várias, zum-zum-zum, como diria minha finada mãe. Um casal na última fileira, coluna da parede, uma moça na mesma linha que eu, mas na coluna da esquerda, de vestido florido e bolsa e sacolas no colo e na cadeira ao lado, um casal na próxima fileira cuja mulher pediu o mesmo que eu pedirei em instantes, vários outros rostos não singulares e, distante daqui, uma loira elegante, com o cabelo preso, franja caída ao lado.


"Um verão, uma limonada e um ninho de nozes, por favor". A loira joga-me um olhar, a moça ao lado ri de algum comentário lido no celular, Alexandre, o jogador, aparece na tevê sem som. A garçonete passa da direita para a esquerda levando um pedido a uma mesa, um garçom volta com o pedido anotado de outra. Zum-zum-zum.

A loira me olha novamente. Eu a encaro, mas apenas me perguntando "será que ela sabe?". Olho, em seguida, a morena de vestido florido à minha esquerda. Entretida em seu celular, tenho a certeza de que ela não sabe e que se soubesse e tivesse a consciência neste momento, ela não riria de outro comentário inócuo, lido em um aparelho irrelevante. O barulho da conversa de todos é um chiado único. Assusto-me com a inconsciência geral. Há sentido na existência desse modo de vida? Há algo aqui neste recinto que não seja efêmero?

Meu pedido chega. A moça que come o mesmo que eu pedi, olha-me depois de ver meu prato. Talvez tentou inferir alguma semelhança entre mim e ela por causa da coincidência dos pedidos. Inferência irrelevante. Semelhança, caso exista, também irrelevante.

A moça de vestido florido pede a conta e, em segundos, chega a garçonete com o valor: "vinte e duas ilusões, senhora". "Sim, você passa no débito pra mim?". "Claro".

O rapaz da fileira da frente chama o garçom e pergunta quanto custa o faisalim. "Três ilusões e noventa, senhor". "Traz um pra mim, por favor".

Não aguento mais ficar neste lugar e, mesmo não tendo para onde fugir, pois o mundo todo parece uma caverna de Platão, eu levanto-me, pago as vinte e três ilusões e noventa da minha conta e vou sentir o niilismo em casa.



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