segunda-feira, 10 de março de 2014

A casa de muros acinzentados.

Roberto Queiroz caminha feliz à próxima casa. Também pudera, caminhar durante as tardes nessa cidade já seria desgastante por si só, dado o terreno cheio de aclives e declives íngremes, ainda mais nesse verão que está a bater todos os registros de altas temperaturas. Assim, resolveu Roberto Queiroz fazer suas visitas domésticas ao final da tarde e estendendo o turno até à noite. Sendo hoje o primeiro dia de trabalhos noturnos, dá para entender sua felicidade ao caminhar até a próxima casa. 

Roberto Queiroz presta serviços de reparos gerais. Como todo e qualquer trabalho de vendas ou prestação de serviços, este também é atingido pelas ondas da sazonalidade. Há períodos que nem da sua oficina sai para almoçar com sua esposa e dois filhos, tamanha é a quantidade de serviços a lhe esperar, e há os períodos em que a sabedoria popular chama de vacas magras. Nestes últimos, Roberto Queiroz anda pelos arredores do bairro visitando casa por casa para ver se alguém tem algo que necessite reparo. Antes que aquele leitor mais cartesiano franza sua testa, que fique claro que não faria sentido esse tipo de serviço caso estivéssemos no tempo do celular e da internet. Logicamente os tempos são outros. Início do século vinte, para satisfazer a ânsia destes que necessitam dos detalhes. 

Com a felicidade descrita anteriormente e com o frescor do vento noturno a lhe acariciar as bochechas, ele chega à casa seguinte. Estranha esta. Diferentemente das demais, a casa que está agora em frente ao nosso reparador geral apresenta sinais de má conservação, com o mofo a subir pelas paredes acinzentadas e as janelas a mostrar lascas de uma madeira que nem comida para cupim serve mais, pois estes parecem já ter devorado o que se podia. Entretanto, o que fez com que a espinha dorsal de Roberto Queiroz esfriasse de medo ou receio ou qualquer outro sentimento de alerta e pavor, foi a junção de três fatores: a casa sombria, noite e, além dele, nenhuma vivalma na rua. Mesmo assim, bateu palmas. 




_Pois não?

Ao ver a figura que se apresentava na janela, juntaria esta como sendo a quarta causa do seu calafrio cervical. Apesar de irmos ao início da noite, porém já com o negrume da madrugada, esse senhor mostrava olheiras de quem estaria há três dias sem dormir ou a três minutos de morrer. Cena sombria e uma inquietação no olhar.

_Senhor, meu nome é Roberto Queiroz e faço consertos gerais. Estaria algum móvel de sua casa precisando de reparo?

_Tenho uma poltrona com um dos pés quebrados. Quer entrar para dar uma olhada?

_Claro.

Por causa do choque causado pela aparência do morador, Roberto Queiroz esqueceu do bom costume de se perguntar o nome do interlocutor em uma conversa, erro este reparado logo ao entrar na casa, afinal, de reparos nosso personagem central entende. "Antonio Souza é o nome do defunto", pensou Roberto Queiroz, e escusado está sua indelicadeza, pois foi por causa do nervosismo provocado pelo medo que lhe passou agressivo pensamento à mente.

_Senhor Antonio, o reparo desta poltrona é simples, porém demorará um tempo. Não querendo eu aporrinhá-lo com minha presença a essas horas, levarei a poltrona para minha oficina e dentro de dois dias a devolvo em sua casa. Pode ser?

_Certamente, senhor Queiroz.


Apesar de toda a má impressão visual causada pela casa e pelo seu dono, a voz mansa e educada de Antonio Souza fez Roberto Queiroz crer que este senhor é daquelas pessoas que não se importam com a aparência, nem sua, nem da moradia onde se instala. Assim, desceram reparador e poltrona a rua em meio aos assovios tranquilizantes do primeiro, claro está, pois a segunda não tem língua nem boca para tal proeza. Com o espírito novamente apaziguado pela segunda impressão que teve de Antonio Souza, vai Roberto Queiroz de volta para sua casa e com um serviço a ser feito, alegria justificável, considerando essa época de maré baixa.

Chegando o reparador em casa, a senhora Queiroz, cujo primeiro nome é Maria, vendo o marido entrar com a poltrona logo concluiu o óbvio, mas escolheu a interrogação para abrir a conversa.

_Conseguiu serviço hoje?
_Sim.
_De quem.
_De um sujeito estranho da rua detrás.      
_Qual casa?
_Uma de muros acinzentados e feios, do lado dos Oliveiras.


O silêncio se instalara. Maria Queiroz não pode acreditar no que acabara de ouvir e só conseguiu fitar o marido com os olhos a saírem das órbitas de tão abertos que estavam, reação esta causada pelo medo, mas não um medo qualquer, o medo que precede o pavor de uma verdade que já prevê, mas que deveria ouvir para crer. 


_Qual casa, amor?
_Aquela do lado da dos Oliveiras. O morador é um tal de Antonio Souza.

Neste instante, ao ouvir as duas últimas palavras da resposta do marido, o corpo de Maria Queiroz despenca, sem sentidos, ao chão. Ao acordar, no sofá, posta lá pelo marido, que agora a estava olhando sem nada entender, mas já assustado, ela pergunta.

_Roberto, você disse que foi atendido na casa do lado da dos Oliveiras por um sujeito chamado Antonio Souza?
_Sim, por quê?
_Amor, aquela casa está abandonada há cinco anos. Desde que seu dono, Antonio Souza, morreu atropelado. 

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