sábado, 12 de outubro de 2013

O cacos que sobraram

Não. Um único golpe não poderia ter força suficiente para nos derrubar. Não que devamos ser invulneráveis, impávidos ou semideuses. Ninguém é intransponível. Tampouco prego que sejamos alheios à realidade a tal ponto de nos fazermos subir no Rocinante em busca de gigantes e de uma Dulcineia. Não, não é isso.

Um golpe aqui, outro ali, todos sofremos e sofreremos. Pela ponderação racional da aleatoriedade, há de se considerar uma distribuição esparsa desses golpes de modo que tenhamos tempo para, entre duas mazelas consecutivas, ocorrer a cicatrização necessária. 

Acontece que a aleatoriedade não tem nada de ponderada nem de racional e, assim, por algumas ocasiões, há de se dizer aqui que estas são incomuns ou mesmo raras, mas existem, acontece de sofrermos uma sequência grande de espadadas, socos e apunhaladas em um intervalo de tempo tão curto que nossas habilidades de defesas e esquivas, mesmo com escudo, elmo e armadura, não são suficientes para evitar a queda.  

Portanto, nessas situações, apesar de anularmos os primeiros golpes, o escudo cai, o elmo é danificado e a armadura é cortada, deixando-nos expostos para os segundos, terceiros e demais golpes. As feridas começam a aparecer e o sangue a jorrar. Em meio ao susto de ver o sangue e sentir a dor, novos golpes fazem findar as forças que nos mantêm em pé. A fraqueza, antes tão distante e inexistente, nos atinge com tamanha força que nos faz deitar o corpo. E caímos. 

No chão, desnudo de proteção, com as feridas expostas e o sangue a escorrer, começo a questionar tudo que eu supunha que me deixava forte e seguro. Desculpem-me a mudança da primeira pessoa do plural para a primeira do singular nesse e no próximo parágrafos, mas se assim o fiz, é porque assim senti a necessidade. Permitirei-me essa incoerência.

Voltando ao texto, não me sinto mal por ter feridas onde me considerava vulnerável, essas são esperadas e servem para que deixemos mais protegida no futuro aquela região falha. Mas me sinto, sim, fraco por elas, as feridas, aparecerem justamente onde me sentia seguro e intransponível. 

Esse último tipo de feridas corrói nosso interior, enferrujando os mecanismos internos que temos para deixar o ego e a auto-estima em bom nível, longe da possibilidade de serem danificados. Sobra-nos muito pouco quando a tal sequência de golpes nos atinge em intervalos diminutos de tempo. Quase nada. 

Mas esse pouco, ou quase nada, é o que sobrou mesmo depois de tantas pancadas. Ele pode servir-nos de base para a reconstrução do novo eu que, mesmo não sendo tão diferente do eu estraçalhado, será mais forte. Ou, pelo menos, não terá aquelas regiões atingidas descobertas ou desprotegidas novamente. 

O que há a ser feito é juntar os cacos que restam intactos e, mesmo ainda sangrando, levantar e continuar a marcha. As feridas vão cicatrizando durante o andar, que ainda está cambaleante e dificultoso. 

Para onde marchar? Isso eu não sei. 

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