terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Sobre o existencialismo - 2


Nessa continuação, falarei sobre a existência de Deus, sentimento e angústia, segundo o que Sartre escreveu em O existencialismo é um humanismo.

Bom, Sartre se diz ateu, mas não coloca a existência de Deus como questão central para a filosofia existencialista, como fica claro na passagem:

"O existencialismo não é tanto um ateísmo no sentido em que se esforçaria por demonstrar que Deus não existe. Ele declara mais exatamente: mesmo que Deus existisse, nada mudaria; eis nosso ponto de vista. Não que acreditemos que Deus exista, mas pensamos que o problema não é o da Sua existência; é preciso que o homem se reencontre e se convença de que nada pode salvá-lo dele próprio, nem mesmo uma prova válida da existência de Deus"

E quais são as consequências de não haver essência antes da existência? Como Sartre citou Dostoiévski, "Se Deus não existisse, tudo seria permitido", e ele (Sartre) diz que essa frase é o ponto de partida do existencialismo. O foco do raciocínio aqui é a existência de um código moral para os homens. Não há um código moral à priori, ou seja, não há um conjunto de regras para convivência social que não tenha sido criado pelo ser humano. Nós criamos os códigos de conduta e podemos modifica-los, dependendo do contexto histórico-social. Ou seja, todos somos legisladores das condutas sociais, podemos aceitar as regras que vêm de fora ou podemos rompê-las (sem, necessariamente, criar substitutas).  "Todo ser humano apreende-se em si mesmo, sem intermediário". Sartre quis dizer nessa última frase que não temos nada, senão nós mesmos, para consultar a respeito de decisões a serem tomadas. Não há uma essência (Deus, natureza humana, código moral etc) anterior a existência.

"(...) o sentimento constrói-se através de atos praticados; não posso, portanto, pedir-lhe que me guie".

Esse raciocínio foi o que eu achei mais difícil de compreender, mas vamos lá. Quando delegamos uma decisão em função do nosso sentimento, não estamos na verdade fazendo isso de um modo puro ou honesto. Sartre diz, com essa frase que até o que sentimos é a construção de decisões tomadas durante a vida. Portanto, consultar o que sentimos para tomar uma decisão seria o mesmo que consultar um padre para decidir se podemos cometer um determinado pecado, ou seja, a decisão já está tomada. Sartre não se refere apenas a sentimentos, mas também a classificações de pessoas (que não deve ser feito de modo inato, mas sim por atos praticados):

"O covarde se define pelos atos que pratica". Uma pessoa não nasce covarde ou herói. 

E o autor vai além, dizendo que o covarde é culpado pelos seus atos de covardia, ou seja, ele é o responsável por ser covarde, o que torna o existencialismo uma filosofia otimista, pois se o covarde não nasce assim, então ele pode deixar de o ser, através de ações que comprovem o contrário mediante a ele mesmo e aos outros.

Quanto mais prosseguimos no texto de Sartre, mais certeza temos de que estamos sós para tomar decisões, desamparado de conduta moral, Deus ou qualquer fator externo a nós mesmos. Aí vem a angústia. Mas não a angústia pessimista, e sim uma angústia responsabilizadora.

"A angústia é a ausência total de justificativas e simultaneamente, a responsabilidade perante todos".

O que vemos por aí é exatamente o oposto dessa frase, ou seja, pessoas que se isentam de responsabilidade pelos seus atos através de desculpas ou culpando terceiros (esses terceiros podem ser pessoas, mas também condutas morais, deus, religião ou pressões sociais).

Bom, isso foi uma breve síntese de tudo que li, aconselho aos senhores a leitura desse texto. Aos que estão curiosos e que não querem perder tempo com uma leitura de trinta páginas (vinte e oito, na verdade), assistam ao vídeo abaixo, o professor explica muito bem.





3 comentários:

  1. Gostei bastante desta síntese da reflexão sartreana!
    Aplicando outros termos, se é que compreendi adequadamente, seria a migração definitiva da "heteronomia" para a "autonomia". Ter tem outro para culpar deve ser desesperador para a maioria das pessoas. Caminhar em direção a esta compreensão da vida é um exercício árduo!

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    1. Marcelo, estou pensando bastante para não cometer uma gafe, mas acho que a liberdade sartreana se assemelha muito ao conceito de autonomia moral de Jean Piaget. Bem notado!

      Concordo que em culturas parecidas com a nossa, ou seja, extremamente religiosa tanto aos cultos quanto ao julgamento moral alheio, essa passagem para a fase autônoma é árdua.

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    2. Errata: Ali onde está "Ter tem outro…" deve ser lido "Não ter outro para culpar…"

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